Temida no passado por “engolir” nadadores em enigmáticos redemoinhos, a Lagoa do Abaeté, localizada no bairro de Itapuã, está, para alguns visitantes e ambientalistas, morrendo aos poucos. Segundo Jorge Santana, presidente da Universidade Livre das Dunas (Unidunas), entidade responsável pela administração no Parque das Dunas, na Praia do Flamengo, o nível de água do famoso lago soteropolitano sofre uma drástica redução a cada ano, condenando um dos maiores pontos turísticos da cidade ao desaparecimento.
A solução, conforme Santana, seria a viabilização de um projeto de transposição do excesso de água da Lagoa do Flamengo para o Abaeté. Uma tubulação subterrânea de aproximadamente 3,6 quilômetros seria implantada para fazer a ligação entre as duas regiões. Conforme o plano, o nível da Lagoa do Abaeté seria recuperado rapidamente, trazendo de volta o charme e o mistério que transformaram o local em parte essencial do folclore de Salvador.
“O projeto é simples. A Lagoa do Flamengo é ligada ao mar e o excesso de água que ela produz, por conta da chuva e do alto nível de preservação na área, é vertido para o oceano. Isso é um desperdício. O ecossistema dela é muito parecido com a da Lagoa do Abaeté. Essa água excedente poderia ser transferida para Itapuã. É apenas questão de boa vontade e muito estudo para dar certo”, disse Jorge Santana, antes de decretar que, se nada for feito, o Abaeté terá um tempo de vida menor que o esperado. “Sem uma intervenção imediata, a lagoa desaparecerá em apenas 50 anos”.
O projeto de transposição, de acordo com o presidente da Unidunas, foi idealizado por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBa), coordenada por um professor já aposentado.
O objetivo era o de encontrar soluções para revitalizar o Abaeté, uma das poucas áreas de restinga remanescentes em Salvador. O problema, é que o projeto não foi apresentado às autoridades públicas competentes e ainda demanda a realização de maiores estudos para ter a viabilidade comprovada. Conforme o superintendente de Meio Ambiente de Salvador, Luiz Antunes Nery, o plano de transposição da Lagoa do Flamengo para o Abaeté sequer chegou à administração municipal.
“Não fui notificado sobre esse plano, por isso não posso falar sobre a sua aplicação. Na verdade, a Lagoa do Flamengo sequer é uma lagoa. Ela é o que chamamos de estuário, a parte de um rio que se encontra com o mar. Na década de 60, foi construído um equipamento chamado cachimbo na ligação do lago com o oceano, o que regula a saída da água. Guardada as devidas proporções, é como um represamento”, disse o superintendente. Segundo Antunes Nery, é necessário, antes de tudo, realizar pesquisas bem fundamentadas para qualquer plano de ação que prometa mudar a atual constituição do meio ambiente da cidade, evitando frustrar a população em caso de fracasso.
O gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) do Abaeté, Franklin Molinari, também afirmou não ter recebido o projeto de transposição, mas não descartou sua viabilidade. Para Molinari, no entanto, o Abaeté não precisa receber água de outros lagos para ter o nível restaurado, já que não sofreu grandes modificações nos últimos anos e, portanto, não corre o risco de desaparecer.
“A impressão de seca ocorre devido à diminuição dos índices pluviométricos na região. A elevada temperatura do verão em Salvador favorece a evaporação da água, que acaba não sendo reposta pela chuva. Mas isso não quer dizer que a lagoa esteja secando. Em junho do ano passado, o Abaeté chegou ao maior nível já registrado em anos, atingindo mais de 19 metros de profundidade”, disse Molinari.
Um relatório divulgado pelo Instituto de Gestão das Águas e do Clima (Ingá) comprovou a estabilidade do nível da lagoa. Segundo o órgão, o estudo de fotos aéreas tiradas entre 1976 e 2002 concluiu que a Lagoa sofreu poucas modificações em sua forma ao longo dos anos.
Expansão do Aeroporto
Se a Lagoa do Abaeté não corre o risco de desaparecer, o mesmo não se pode dizer de parte das dunas de Praia do Flamengo. No início do mês de fevereiro, a Infraero assinou a ordens de serviço para a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para a construção da nova Pista de Pouso e Decolagem do Aeroporto Internacional de Salvador.
De acordo com Jorge Santana, se aprovada, a obra pode destruir parte de uma área protegida por decreto municipal. “Num país verdadeiramente sério jamais se gastaria R$1,2 milhão do dinheiro do contribuinte para verificar a possibilidade de se construir uma pista de aeroporto dentro de uma área de preservação ambiental. É como contratar um estudo para ver a possibilidade de se implantar um bordel numa escola primária. Não tem sentido. Porque uma coisa automaticamente exclui a outra. Não dá liga! Pista de avião não combina com preservação”, disse o presidente da Unidunas.
A assessoria da Infraero afirmou que o EIA/RIMA foi encomendado justamente para verificar a possibilidade da ampliação do sistema viário do aeroporto. Os estudos serão executados de acordo com o Termo de Referência (TR) elaborado pelo Instituto de Meio Ambiente da Bahia (IMA) e aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEPRAM). O resultado deve sair em até 395 dias, contendo a viabilidade das obras, bem como as eventuais medidas ambientais que deverão ser tomadas para a sua execução.
Repórter: Thiago Pereira